BREVES NOÇÕES DE INVENTÁRIO

Em língua portuguesa, inventário é a relação dos bens deixados por pessoa falecida; pode significar também relação de bens ou descrição pormenorizada[1]. Juridicamente, inventário é o instrumento processual ou extrajudicial para oficializar a transferência de bens e/ou direitos deixados pelo falecido.

Conforme o jurista Sílvio de Salvo Venosa: “A palavra inventário decorre do verbo invenire, do latim: encontrar, achar, descobrir, inventar e do verbo inventum: invento, invenção, descoberta. A finalidade do inventário é, pois, achar, descobrir, descrever os bens da herança, seu ativo e passivo, herdeiros, cônjuge, credores etc. Trata-se, enfim, de fazer um levantamento, que juridicamente se denomina inventário da herança”[2].

Trata-se de procedimento necessário para que os herdeiros e legatários recebam os bens, direitos e obrigações deixados pela pessoa morta. A herança é o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem em razão da morte. A herança é uma unidade abstrata, constitui uma universalidade de bens até que seja realizada a partilha. Somente após a partilha é que cada herdeiro receberá a sua parte. E a partilha somente ocorre ao término do inventário.

Existe um prazo legal de dois meses a contar do óbito para que seja instaurada a abertura do inventário, conforme dispõe o Código de Processo Civil (artigo 611). Não há perda de direito ou impossibilidade de abertura do inventário caso ultrapassado o prazo. A conseqüência para o caso de não ser cumprido prazo é de natureza fiscal: a possibilidade de cobrança de multa pela Fazenda Estadual, relacionada ao Imposto sobre a Transmissão “Causa Mortis” e Doação (ITCD).

Esta cobrança é constitucional, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (Enunciado 542: Não é inconstitucional a multa instituída pelo Estado-membro, como sanção pelo retardamento do início ou da ultimação do inventário). Cada Estado da Federação tem a sua regra, cabendo a eles fixarem multa para inibir a inércia dos sucessores, que por não ajuizarem o procedimento de inventário, impossibilitariam a apuração e arrecadação do ITCD. No Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, a lei que disciplina sobre o tributo (Lei N° 8.821/1989) não apresenta previsão de tal penalidade.

Basicamente, existem dois tipos de inventário. Por muito tempo houve somente o inventário judicial, ou seja, tramitando em uma ação judicial. A partir de janeiro de 2017, com a publicação da Lei Nº 11.441/2007, surgiu a modalidade extrajudicial de inventário, com a possibilidade da realização da partilha mediante escritura pública, desde que observados os requisitos legais.

O inventário será obrigatoriamente judicial sempre que houver algum herdeiro incapaz (menor de idade, interditado, etc.) ou o falecido tiver deixado um testamento. Importante destacar que esta é a previsão do artigo 610 do CPC; todavia existem na jurisprudência entendimentos conflitantes sobre a obrigatoriedade do inventário judicial caso o extinto tenha deixado testamento[3].

Quem pode ingressar com ação judicial de inventário? A lei estabelece que a pessoa que estiver na posse e administração do espólio (termo processual referente ao patrimônio objeto do inventário) tem a obrigação de dar início ao processo. Evidentemente, o cônjuge ou companheiro da pessoa falecida, bem como quaisquer dos herdeiros podem requerer a abertura de inventário.

A situação do patrimônio deixado pelo falecido interessa também a eventuais credores do extinto (caso tenha deixado dívidas) ou mesmo credores de algum herdeiro, afinal, possuem interesse que seu devedor receba patrimônio para saldar o débito. Da mesma forma, o Estado tem interesse no inventário, pois receberá o tributo referente à transmissão do patrimônio deixado (ITCD). Igualmente, o Ministério Público (na defesa do interesse do herdeiro incapaz) e a Fazenda Pública (caso exista alguma dívida de natureza fiscal) também tem interesse na transmissão de patrimônio e partilha dos bens. Por isso, a lei autoriza a todas estas pessoas dar início ao inventário judicial.

Estudiosos e julgadores discutem sobre a possibilidade de até mesmo o juiz, ao tomar conhecimento do óbito, por iniciativa própria dar início ao inventário. Trata-se de hipótese que não está prevista na atual legislação processual, mas também não está vedada[4].

O inventário judicial tramitará no foro do domicílio do falecido, também chamado de autor da herança. Se o extinto não tinha domicílio certo, será no foro da situação dos bens imóveis (desde que estejam todos na mesma comarca). Possuindo imóveis em foros diferentes, poderá tramitar em qualquer destes. Não havendo bens imóveis, o inventário será ajuizado no foro do local de qualquer dos bens.

Processualmente, o inventário terá início com a comunicação ao juízo sobre o óbito do autor da herança, a existência de bens e de herdeiros. O juiz nomeará o inventariante, que é a pessoa que desempenha a atividade de guarda, administração e defesa dos bens da herança[5].

Após a nomeação do inventariante, este deverá prestar compromisso perante o juízo e, no prazo legal, apresentar as primeiras declarações, que é a petição na qual são descritos detalhadamente todos os bens e dívidas deixados pelo extinto com o valor corrente de cada bem, bem como um esboço de partilha (como os herdeiros pretendem fazer a divisão).

Os herdeiros que não estiverem representados no inventário serão citados para se manifestar sobre o esboço de partilha e apresentar eventuais impugnações. Havendo impugnações ou divergências entre os herdeiros, o processo de inventário será litigioso, pois o juiz deverá resolver as pendências e proceder a partilha ao final.

Cumpre referir que se o inventariante não souber a totalidade dos bens, ou quando suspeitar que haja sonegação de algum bem por parte dos herdeiros, ele pode solicitar nas primeiras declarações que o juiz da causa realize diligências para obter a verdade, tais como pesquisas na contas dos herdeiros, ofício a Receita Federal, etc.

Depois de apresentadas as impugnações, o juiz deve decidir todas as questões pendentes, determinando inclusive a avaliação judicial dos bens caso haja discussões quanto aos valores.

Uma vez resolvidas as discussões, serão apresentadas as últimas declarações, constando como será a partilha. Serão calculados os tributos devidos. Após a quitação dos tributos, será finalmente realizada a partilha.

Processualmente, existem outras duas modalidades mais singelas de inventário judicial: o arrolamento sumário (artigos. 659 a 663 CPC) e arrolamento comum (artigo 664 CPC). Para o arrolamento sumário, todas as partes devem ser capazes, estar presentes e representadas por advogado, e devem estar de acordo com os termos da partilha. Para o arrolamento comum, patrimônio do falecido deve ter valor igual ou inferior a mil salários mínimos; admite partes incapazes (ou seja, é obrigatória a presença do MP) e também há necessidade de acordo quanto aos termos da partilha. Ou seja, tanto o arrolamento sumário quanto o comum só podem ser ajuizados se houver partilha amigável.

Com relação ao inventário extrajudicial, este possui outros requisitos: todas as partes devem ser maiores, capazes e devem estar em concordância quanto aos termos da partilha. É necessária a presença de advogado para representar os herdeiros e fazer a conferência da escritura pública de partilha. Conforme mencionado acima, a lei exige a ausência de testamento para que o inventário seja extrajudicial, embora a questão seja controversa.

O inventário extrajudicial pode ser realizado em qualquer tabelionato de notas, de livre escolha das partes. Será apresentada a relação de bens e herdeiros, com indicação de um inventariante e esboço da partilha. O tabelião fará a verificação, encaminhará para a Fazenda Pública lançar os tributos cabíveis, e fará a ratificação da partilha. Ao final, será lavrada a escritura pública de inventário e partilha.

Cassiano Cordeiro Alves

OAB/RS 60.604

Advogado Cível Equipe XLADV

 

[1]Minidicionário Gama Kury da LínguaPortuguesa/supervisão Adriano da Gama Kury; organização Ubiratan Rosa. – São Paulo: FDET, 2001, p.  440.

[2] Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões/Sílvio de Salvo Venosa – 3.ed.- São Paulo: Atlas, 2003, p. 46.

[3] Por exemplo, os entendimentos do Enunciado 600 da VII Jornada de Direito Civil (http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/824) e do Provimento N° 56 do CNJ (http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/07/256d7be29a07e705981373ef1d171ccc.pdf).

[4] O TJ/RS possui precedentes autorizando que o juiz, de ofício, determine a abertura do inventário judicial: (Apelação Cível Nº 70079290730, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 28/11/2018); (Agravo de Instrumento Nº 70077771087,Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 12/07/2018). No mesmo sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: (REsp 1591224/MA, Rel. Ministro João Otávio De Noronha, Terceira Turma, julgado em 26/04/2016, DJe 29/04/2016)

[5] Venosa, Sílvio de Salvo. Op. Cit, p. 51.