ARTIGO: ”TRABALHO DECENTE”, POR RAFAEL DA SILVA MARQUES, JUIZ DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO

Realizou-se no dia 28 de junho, junto à Escola Judicial do TRT da 4ª Região, um evento nominado “Trabalho Decente e a Coletivização do Processo”, em que se discutiu o trabalho escravo, atuação coletiva, fiscalização do trabalho e Ministério Público.

Entre outras coisas, deu-se destaque ao problema do trabalho escravo, formas não apenas de erradicação, mas de reinserção, prevenção e punição econômica e penal dos agentes causadores do dano aos trabalhadores.

A iniciativa é importante. O que chamo a atenção, num momento em que se fala de trabalho escravo no Rio Grande do Sul, é o problema da escravidão velada. Aquela em que o poder privado, em razão dos déficits do poder público, atua de forma a transformar sua propriedade e capital em algo de exclusão, opressão e morte. Há vários exemplos desta nominada escravidão velada. E o pior é que nós, operadores do direito, muitas vezes não nos damos conta. Confiamos que escravo é aquele que fica preso à terra, sem poder sair e que trabalha para pagar as contas do armazém do patrão.

Nos esquecemos de que escravidão é pagar salários baixos (regra no Brasil). É terceirizar (pagando salários ainda mais baixos sem previsão legal). É exigir jornadas de trabalho absurdas ou mesmo banco de horas (esta uma das piores formas de superexploração (não-reposição suficiente das energias do trabalhador). É, de forma velada, impedir a vinculação sindical e boicotar a atuação dos representantes sindicais. É atuar de forma a caracterizar assédio moral, deformando a parte emocional do humano, como se fosse algo descartável.

Estas formas de escravidão veladas fazem parte do dia a dia dos juízes do trabalho. Mas o que, de fato, fazemos para combatê-las?

Fechamos os olhos e aplicamos a súmula 331 do TST; indeferimos o pedido de dano existencial; julgamos válido o banco de horas; permitimos o desconto dos salários dos dias de paralisação por greve; fixamos indenizações morais em caso de assédio irrisórias, desprezando o fato de que o delito transcende o individual e atinge a toda a coletividade.

Neste momento em que a Escola Judicial traz à tona o debate a respeito do trabalho escravo, é fato que devemos também nos preocuparmos com a escravidão moderna, com a escravidão velada. Aquela do dia a dia e que, por ser do dia a dia, passa a ser comum primeiro como fato e, depois como direito, ou seja, considerada mero descumprimento “natural” da norma jurídica.

A função dos juízes como agentes do estado é fazer cumprir a Constituição da República. Esta veda, de forma expressa, a utilização da propriedade e do dinheiro como poder. A propriedade privada, no Brasil apenas existe de forma qualificada, ou seja, desde que tenha função social. Conciliar a função social da propriedade e a realidade é rechaçar a opressão. E isso não é apenas possível, se não necessário dentro do Direito do Trabalho. Isso é trabalho decente.

FONTE: http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/comunicacao/noticia/info/NoticiaWindow?cod=786553&action=2&destaque=false&filtros=